O dispositivo aplicado reduziu em até 100% os carcinomas de células escamosas em testes de laboratório. Nova terapia, que pode ser uma alternativa a tratamentos de alto custo e cirurgias, aguarda parcerias para testes clínicos
Uma espécie de curativo formado por uma membrana de celulose bacteriana impregnada com um fármaco contendo metais em sua composição promete mudar o tratamento do câncer de pele. O “curativo” possibilita a liberação controlada do metalofármaco e reduz um tipo de câncer conhecido como carcinoma de células escamosas.
A membrana, um biopolímero, funciona como um suporte de liberação do princípio ativo, que inclui íons de prata e o anti-inflamatório nimesulida. O dispositivo foi aplicado em camundongos com câncer de pele, com remissão total do tumor em quatro de cada 10 animais. Os resultados foram divulgados no final de fevereiro pela revista científica Pharmaceutics.
O invento foi desenvolvido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Universidade de Araraquara (Uniara). A tecnologia, que em 2019 passou pelo programa de aceleração ASTRo (Applied Science Trail Roche) da Roche e Biominas Brasil, teve a patente depositada pela Inova Unicamp e aguarda parcerias para avançar no desenvolvimento de um produto ser usado em humanos.
O carcinoma de células escamosas de pele é o segundo tipo mais frequente de câncer no mundo, segundo o Observatório Global de Câncer e o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Ele pode ocorrer em todas as partes do corpo, embora seja mais comum em áreas expostas à radiação solar, como rosto, couro cabeludo, braços e pescoço.
“A busca por novos compostos e novos tratamentos é uma necessidade premente, particularmente em um país tropical como o nosso, onde as pessoas se expõem muito ao sol”, diz Carmen Silvia Passos Lima, professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
MENOS INVASIVO E COM EFEITO PROLONGADO
O dispositivo de uso tópico funciona como um sistema de liberação lenta do complexo contendo o metalofármaco. A membrana desenvolvida na Uniara recebeu o composto desenvolvido na Unicamp e o conjunto foi colocado sob um adesivo. O “curativo” pode ser produzido em diferentes tamanhos e formatos ajustados aos tumores. Nos ensaios laboratoriais in vitro (em placas), o tempo de liberação foi acompanhado por até 216 horas. No estudo in vivo (com camundongos), o curativo foi trocado a cada três dias, permanecendo ativo, isto é, liberando a medicação no período.
“Com isso, podemos aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento, evitando aplicações frequentes. Até onde sabemos, não existem fármacos à base de prata aprovados para o tratamento tópico de pacientes com câncer de pele”, comenta Pedro Paulo Corbi, pesquisador do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.
Os tratamentos atuais para o carcinoma de células escamosas de pele incluem cirurgias e medicamentos de alto custo,com efeitos indesejáveis, como reações e irritações cutâneas. A ressecção cirúrgica pode causar mutilações e desfigurar os pacientes, com a perda da região afetada, sendo muitas vezes necessário o implante de próteses.
Os pesquisadores acreditam que o “curativo” poderá diminuir as áreas a serem retiradas e até evitar cirurgias, melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
Os pesquisadores, Carmen Silvia Passos Lima, da FCM, Ana Lúcia Ruiz, da FCF, e Pedro Paulo Corbi, do IQ
COMO FUNCIONA O "CURATIVO" ANTICANCER?
O sol induz um processo inflamatório na pele que leva às mutações celulares e ao câncer. A exposição à radiação ultravioleta prolongada pode modificar a estrutura do DNA das células. Os complexos de prata com anti-inflamatório inseridos na membrana inibem a proliferação das células tumorais (atividade citostática) ou provocam a morte celular (atividade citocida), como um quimioterápico.
A prata é descrita há séculos por sua atividade antimicrobiana. Mais recentemente, foi considerada um potencial quimioterápico. Associada à prata, a nimesulida, antiinflamatório consolidado na medicina, reduz a inflamação desencadeada pelo sol, aumentando a efetividade do composto.
Os animais tratados com o “curativo” apresentaram redução de quase 75% nos tumores de pele. A remissão total dos tumores foi observada em quatro de cada dez camundongos. Por outro lado, aumento nas dimensões dos tumores foi observado no grupo controle, formado por animais não tratados com o “curativo” anticâncer.
Os animais tratados com o “curativo” apresentaram redução de quase 75% nos tumores de pele
“O efeito anticâncer final observado pode ser atribuído à combinação de efeitos antiproliferativo e anti-inflamatório observada no complexo de prata com nimesulida. Dessa forma, o tratamento permitiu um controle da progressão do tumor por ação de diferentes alvos terapêuticos”, explica Ana Lúcia Ruiz, pesquisadora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp.
O baixo custo e a facilidade no preparo da membrana são vantagens adicionais para o desenvolvimento comercial do dispositivo. Para chegar ao mercado, a tecnologia precisará passar por estudos para ampliar a compreensão do mecanismo de ação e dos efeitos em humanos. As empresas que desejarem firmar parcerias de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) com o grupo ou licenciar a tecnologia podem entrar em contato com a Agência de Inovação Inova Unicamp.
Notícia retirada do site da UNICAMP