Obesidade abdominal, hipertensão arterial, glicemia alterada ou diabetes, taxa de triglicerídeos alta e baixo nível de HDL, o bom colesterol. As pessoas que apresentam três desses fatores sofrem com a chamada síndrome metabólica. Ela tem como base a resistência à ação da insulina, o hormônio que permite a entrada da glicose nas células. Isso significa que a substância age menos nos tecidos, obrigando o pâncreas a produzir uma quantidade maior dela, que vai para a circulação sanguínea.
Esse quadro desencadeia uma leve inflamação no organismo e é gatilho para mudanças estruturais e funcionais de vários órgãos, em especial o coração, o cérebro, os rins e o pâncreas. A ciência já sabe também que ele leva a alterações na função pulmonar e na resposta imunológica e que doenças respiratórias crônicas são mais frequentes em indivíduos com obesidade grave e síndrome metabólica, mas isso ainda não tinha sido bem esclarecido, principalmente em idosos. Por isso, a fisioterapeuta Maysa Alves Rodrigues Brandão Rangel, bolsista da FAPESP, dedicou sua tese de doutorado a esse tema.
Para o estudo, uma parceria entre a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Prefeitura Municipal de São José dos Campos, em São Paulo, foram recrutadas mil pessoas em quatro casas de cuidado ao idoso do município. Foram excluídos os que tinham histórico de tabagismo, diagnóstico de doenças respiratórias, degeneração crônica, doenças autoimunes ou neurológicas e que praticavam atividade física regular. O restante foi dividido em dois grupos com 77 participantes cada: um com 26 mulheres e 51 homens com idade média de 68 anos, todos com síndrome metabólica, e o outro com 21 homens e 56 mulheres com idade média de 67 anos sem a doença.
Os voluntários foram submetidos a um exame chamado oscilometria de impulso, um método não invasivo que avalia a mecânica respiratória e possíveis alterações pulmonares por meio de ondas sonoras sobrepostas à respiração normal. A força muscular dos músculos respiratórios também foi avaliada. Eles ainda tiveram seu sangue coletado para analisar fatores como as taxas de colesterol e triglicérides. O soro sanguíneo e o ar condensado – obtido por meio da inspiração e expiração do indivíduo durante 15 minutos no bocal de um aparelho e, em seguida, congelado para análise – foram usados para investigar a presença de citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias, bem como fatores antifibróticos e pró-fibróticos (esses últimos levam à destruição progressiva do pulmão, enquanto os primeiros a combatem).
Os resultados, publicados na revista Scientific Reports, não deixaram dúvidas de que a inflamação provocada pela síndrome metabólica também afeta os pulmões, acelerando o processo inflamatório e fibrótico. Isso ficou claro porque os participantes com a doença apresentaram níveis mais altos dos fatores pró-inflamatórios e pró-fibróticos e uma redução nas substâncias que fazem o papel inverso, protegendo o organismo.
“Pela avaliação do ar condensado também ficou evidente que as citocinas inflamatórias e os fatores de crescimento pró-fibróticos encontrados no sangue desses idosos estavam presentes em seus pulmões”, diz Rangel.
Os dados obtidos pelos pesquisadores apontaram ainda que os participantes com essa doença apresentaram alterações imunológicas e uma deterioração significante da força dos músculos respiratórios necessários para a respiração. Isso é especialmente importante porque pessoas nessa faixa etária já tendem a apresentar mais problemas respiratórios em geral.
Com essas informações, é possível entender os mecanismos do problema e criar estratégias para evitar complicações. “Também ficou claro que os médicos que atendam idosos devem avaliar com atenção seus pulmões e sua resposta imunológica, particularmente quando eles apresentarem síndrome metabólica”, afirma Rodolfo de Paula Vieira, orientador de Rangel.
Por fim, esses achados revelam por que as pessoas obesas e com síndrome metabólica que já apresentam um leve grau de inflamação foram alguns dos públicos que mais sofreram com a COVID-19.
“Esse trabalho mostrou que o grupo de idosos com síndrome metabólica também pode ser mais suscetível tanto para a contaminação com o coronavírus quanto para o desenvolvimento de formas mais graves da doença, pois já apresentam um quadro de perda de função pulmonar e queda do sistema imunológico”, complementa Rangel.
O artigo Pulmonary function changes in older adults with and without metabolic syndrome pode ser lido aqui.
Thais Szegö | Agência FAPESP
Noticia retirada do site da Agencia FAPESP