Mayana Zatz e Silvano Raia falam sobre o bem-sucedido transplante de rim ocorrido nos EUA, técnica conhecida como xenotransplante, que também está em estudo pelo Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP
A escolha pelos suínos deve-se a semelhanças biológicas com os humanos – Foto: Pixabay
Cirurgiões de Nova York transplantaram, em caráter pré-clínico, um rim de porco para um receptor humano, procedimento inédito até então. O feito foi muito comemorado pela comunidade científica e médica por demonstrar o funcionamento do órgão sem que rejeições fossem induzidas.
O uso de órgãos, células e tecidos animais em humanos é conhecido como xenotransplante. O professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP, Silvano Raia, conta que essa pode ser uma alternativa importante para reduzir as filas de espera por um doador. “Muitos [pacientes] falecem à espera de um transplante; a falta de órgãos representa um fator limitante para atender toda a demanda”, diz.
Segundo o professor, que na década de 1980 realizou o primeiro transplante de fígado com doador falecido da América Latina e o primeiro com doador vivo da literatura, foram 29 mil pessoas na fila em 2020. Dessas, apenas 7.000 foram transplantadas. “Vários centros têm procurado órgãos adicionais, que não provenham de doadores falecidos ou vivos”, afirma Raia.
Entretanto, não basta simplesmente utilizar o órgão do animal. Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências (IB) da USP, explica que modificações genéticas são necessárias para evitar a rejeição no corpo humano.
“Existem três genes principais que causam rejeição aguda. Hoje, com a tecnologia de edição, a gente pode silenciar esses genes”, afirma. Com isso, é possível criar porcos geneticamente modificados para a doação de órgãos. Segundo Mayana, a escolha pelos suínos deve-se a semelhanças biológicas com os humanos.
XENOTRANSPLANTE NO BRASIL
Silvano Raia e Mayana Zatz estão à frente de um projeto do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP para viabilizar o transplante de rim de porco no Brasil. Segundo Raia, a etapa de engenharia genética foi concluída com sucesso.
Para avançar, os pesquisadores aguardam a construção da pig facility, um biotério de máxima segurança para evitar a contaminação dos animais e consequentemente a introdução de doenças e patógenos nos humanos. Eles buscam verba para construir a instalação, que ficará no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da USP.
Raia estima que, iniciada a construção, serão necessários dois anos para realizar os transplantes clínicos. “Nós prevemos [construir] a pig facility em cerca de 18 meses; devemos considerar os três meses de gestação, mais três meses para o crescimento desses filhotes”, explica.
Enquanto aguardam a instalação, serão realizados testes em sistemas isolados de perfusão. “Se essas perfusões nos mostrarem que os rins modificados no nosso laboratório não despertam uma reação, nós teremos um arrazoado ético para iniciar os transplantes.”
O experimento pré-clínico realizado em Nova York é visto com bons olhos pelos pesquisadores da USP. “Vai ser muito mais fácil a gente ter isso aprovado pelos comitês de ética quando eles virem que já está sendo feito nos Estados Unidos”, afirma Mayana. “Essa experiência foi extremamente oportuna para animar todos nós que estamos trabalhando com xenotransplantes”, acrescenta Raia.
O professor também destaca um fato simbólico: Robert Montgomery, cirurgião responsável pelo estudo em Nova York, fez um transplante de coração. “Um transplantado realiza um experimento que abre perspectivas para expandir esse benefício a inúmeros candidatos.”
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Notícia retirada do site do Jornal da USP