Fábio Gaiotto explica o procedimento, que permite que pacientes com hipertensão pulmonar consigam receber transplante cardíaco
A nova técnica “é uma fusão de um conhecimento antigo adquirido da medicina com o conhecimento moderno advindo do estudo dos corações artificiais – Ilustração: Patrick Lynch/Escola de Medicina da Universidade de Yale via Wikimedia Commons/CC BY 2.5
Um paciente que estava com 75% do coração sem funcionamento foi o primeiro a se beneficiar de um novo tipo de transplante cardíaco, que utiliza um coração artificial mecânico. A técnica utilizada foi desenvolvida por cientistas do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e poderá virar referência.
Fábio Gaiotto, cirurgião cardiovascular da Unidade Clínica de Transplante Cardíaco do InCor, explicou para o Jornal da USP no Ar 1ª Edição que a nova técnica “é uma fusão de um conhecimento antigo adquirido da medicina com o conhecimento moderno advindo do estudo dos corações artificiais”. A tecnologia busca resolver um problema causado pela hipertensão pulmonar, quando há uma tensão alta nos pulmões, que impossibilita que seja realizado o transplante cardíaco comum. Buscando resolver isso, nas década de 1970/80, Christiaan Barnard, renomado cirurgião sul-africano, já havia realizado transplantes onde o coração do paciente não era removido, deixando-o com dois corações. No entanto, a técnica tinha uma evolução pouco favorável.
Com o conhecimento moderno, descobriu-se que, descomprimindo o lado esquerdo do coração, a pressão de pulmão é revertida e se normaliza, em média, de três a seis meses. “O que nós propusemos foi uma mudança na operação feita na década de 70/80, deixar um coração saudável ao lado do coração doente, simulando uma máquina – o ventrículo artificial – e a novidade, o ineditismo, é que, depois de um tempo curto […] retira-se 0 coração velho e usa-se o mesmo coração que nós implantamos na função de uma máquina para manter a vida do paciente”. Trata-se, na verdade, de um tratamento em dois estágios a partir da utilização do mesmo coração.
O especialista considera duas condições muito importantes para que a operação tenha sido bem-sucedida. “A primeira, muito fundamental para o procedimento dar certo, eu acredito fortemente nisso, é a vontade de viver do paciente e a confiança na equipe médica e em se submeter a um procedimento que nunca foi feito.” Além disso, o doutor conta que o primeiro paciente permitiu um estudo muito detalhado de todo o quadro clínico, o que possibilitou que a equipe médica acertasse na indicação. “E agora estamos muito entusiasmados em oferecer a técnica para os pacientes que chegam para nós para fazer o transplante e recebem a contraindicação do transplante”.
O especialista explica ainda que a hipertensão pulmonar cardiogenica, não é comum. O InCor realiza entre 50 e 55 transplantes de coração por ano. Desses, estima-se que de dois a três casos por mês recebam contraindicação do transplante cardíaco normal. Esses pacientes serão avaliados para realizar o novo tipo de transplante e projeta-se que de dez a 12 pessoas por ano poderão recorrer à nova técnica, que é de altíssima complexidade e para uma situação muito específica da doença cardiovascular avançada. Os estudos envolvendo a nova técnica são recentes, datando do final de 2018.
Gaiotto ressalta que a proposta foi a de mudar o que foi feito no passado para permitir uma transição para o transplante normal, e que se revelou excelente. Ele observa ainda que o paciente submetido à nova técnica estava em cuidado paliativo, numa situação em que não sairia tão facilmente da UTI. Com os protocolos cumpridos até agora – o que inclui a divulgação da técnica, antes de ser realizada, numa revista de registro de ensaio científico; a divulgação institucional, para informar o meio médico sobre a inovação; e a aprovação pelo Comitê de Ética da USP -, o próximo passo agora é a publicação numa revista científica de respeito. E ainda, num segundo estágio, publicar a série de doentes.
Nesse ínterim, Gaiotto explica que a técnica precisa ser replicada. Um único hospital realizá-la não é suficiente. “Os cirurgiões precisam se entusiasmar e resgatar os pacientes que estão na condição de cuidados paliativos, que é uma condição extremamente dramática e triste”, finaliza.
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Noticia retirada do Jornal da USP