Com aumento de internações de crianças com covid-19, professores, pesquisadores e profissionais da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP falam sobre a importância das vacinas para este público e alertam para o perigo das notícias falsas
Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini / Divulgação
A baixa taxa de vacinação em crianças de 5 a 11 anos, que em Ribeirão Preto está em cerca de 50% e no Brasil em cerca de 25% a 30%, segundo os dados disponíveis, somado aos temores e dúvidas quanto à segurança das vacinas, demonstrados pelos pais e responsáveis de crianças atendidas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP, e, ainda, o aumento no número de pacientes internados com covid-19 no HC Criança e na Unidade de Emergência do HC-FMRP em janeiro de 2022, levou professores, pesquisadores e profissionais do Departamento de Puericultura e Pediatria da FMRP a lançarem esta semana posicionamento oficial em relação à vacinação de crianças e adolescentes contra a covid-19.
Segundo o professor Sonir Antonini, chefe do departamento, “estes temores, na grande maioria são infundados e são, provavelmente, resultados de notícias falsas e campanhas antivacinas infelizmente disseminadas”, por isso, no documento são pontuados aspectos relevantes da covid-19 em crianças e adolescentes, que se contrapõem às manifestações de que esses grupos apresentam quadros leves e assintomáticos com riscos mínimos de complicações, e a segurança das vacinas. Acompanha o texto dados da evolução dos casos de covid-19 em crianças nos Estados Unidos e no Brasil e gráfico que evidencia o aumento do número de crianças e adolescentes com covid-19 hospitalizados desde o início de 2022 no Hospital das Clínicas da FMRP.
Leia, a seguir, o texto com o posicionamento na íntegra.
POSICIONAMENTO OFICIAL: VACINAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CONTRA COVID-19
Desde o início da pandemia pela covid-19 vem se postulando, tanto por alguns médicos como por parte da imprensa leiga, que a maioria das crianças e adolescentes que se infectam com esse vírus apresenta quadros leves ou assintomáticos e com mínimo risco de complicações, hospitalizações e óbitos quando comparados aos adultos.
Desta forma, é de suma importância pontuar alguns aspectos relevantes da covid-19 em crianças e adolescentes que se contrapõem a tais dados. Dados científicos publicados recentemente demonstraram que crianças e adultos são igualmente expostos aos vírus (1). As crianças também têm apresentado reconhecido papel como transmissoras da doença, de acordo com alguns estudos (2).
Já há demonstração que crianças com covid-19 podem evoluir para hospitalizações, óbitos e complicações, como a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) e complicações de longo prazo, como “covid longo”, em que os sintomas podem durar meses.
Analisando-se os dados dos Estados Unidos, no início de 2020, as crianças representavam menos de 3% dos casos de covid-19; atualmente representam mais de 25%. Mais de 6 milhões de crianças nos Estados Unidos foram infectadas com sars-cov-2, incluindo 2 milhões com idades entre 5 e 11 anos. No final de outubro de 2021, cerca de 100 mil crianças por semana estavam infectadas. Das dezenas de crianças hospitalizadas, cerca de um terço não apresentava comorbidades e muitas necessitaram de Unidade de Terapia Intensiva. Quase 700 crianças morreram de covid-19, colocando a infecção por sars-cov-2 entre as dez principais causas de morte em crianças nos Estados Unidos (3-5).
No Brasil, desde a disseminação da variante delta, também houve aumento repentino de casos de covid-19 em crianças. No período que corresponde ao final de junho a meados de agosto de 2021, as hospitalizações por covid-19 entre crianças e adolescentes aumentaram cinco vezes no Brasil. Dados oficiais obtidos dos Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde vêm mostrando claramente que a doença que está acometendo crianças e adolescentes de 3 a 17 anos é muito preocupante, com taxas de letalidade e de mortalidade superiores às documentadas por países europeus ou da América do Norte, incluindo, até o momento, milhares de hospitalizações, complicações e mortes pela covid-19 neste grupo etário. No Brasil, país continental, há grandes diferenças regionais de acesso aos serviços de saúde secundários (internações para suporte de oxigênio) e terciários (leitos de Unidades de Terapia Intensiva), havendo variações regionais de morbidade e letalidade pelo vírus sars-cov-2, muitas vezes nem documentadas pela falta de coleta de exames da doença aguda em pediatria.
Na Unidade de Emergência (UE) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP), entre março de 2020 e dezembro de 2021, foram registrados cerca de mil atendimentos pediátricos, em que foram realizados exames para documentar os casos de infecção viral, entre sars-cov-2, influenza A e B e vírus sincicial respiratório, com perfis clínicos muito variados entre lactentes, escolares e adolescentes. Estes dados refletem o que ocorre na Regional de Saúde de abrangência e ainda serão analisados e demostram que houve picos de acúmulo de casos com necessidade de abertura de leitos no HC Criança do campus para acomodação desses pacientes. Foi também aberto um ambulatório multidisciplinar de seguimento de cerca de 50 crianças com SIM-P. O seguimento desta complicação da covid-19 em crianças exige exames laboratoriais e tratamentos complexos e de alto custo, além de seguimento por pelo menos um ano. O gráfico 1 evidencia o aumento do número de crianças e adolescentes com covid-19 hospitalizados desde o início de 2022.
Gráfico 1: Progressão do número de crianças e adolescentes hospitalizados com covid-19 no HC-FMRP-USP desde o início de 2022, de acordo com a semana epidemiológica. (Fonte: SVE-HC-FMRP-USP)
A tabela 1 mostra que o aumento de hospitalizações vem ocorrendo em todos os grupos etários, especialmente de zero a 10 anos.
Tabela 1: Número de crianças e adolescentes hospitalizados com covid-19 no HC-FMRP-USP em 2022 de acordo com a idade (Fonte: SVE-HC-FMRP-USP)
UE = Unidade de Emergência; Campus = HC Criança
Atualmente, duas vacinas contra a covid-19 foram aprovadas para uso no Brasil. É importante ressaltar que ambos os imunizantes foram cuidadosamente avaliados pela Anvisa antes de sua aprovação e adoção no País.
A vacina de RNAm da Pfizer/BionTech (BNT162b2) é autorizada para crianças e adolescentes de 5 a 17 anos e a vacina inativada da Sinovac (CoronaVac) é autorizada para crianças de 6 a 17 anos, exceto aquelas imunocomprometidas.
Foi demonstrado que as vacinas utilizadas no Brasil são comprovadamente eficientes e seguras, por meio de estudos clínicos com métodos científicos amplamente aceitos pela comunidade científica internacional e conclusivos, cujos resultados foram aprovados por agências regulatórias de diversos países. Desta forma, a ideia de que as vacinas contra covid-19 são experimentais não procede.
É importante ressaltar que algumas vacinas não atuam impedindo a infecção do indivíduo. Elas atuam estimulando o sistema imune na elaboração de uma resposta efetiva para controlar a multiplicação do patógeno em quem se infecta e, desta forma, minimizar os sintomas da doença, bem como reduzindo as chances de transmissão e do aparecimento de novas variantes virais após mutações. Portanto, as vacinas são e sempre foram importante ferramenta de saúde pública.
No caso da covid-19, após um ano do início da prática de vacinação no País e no mundo, o efeito benéfico das vacinas em uso pode ser claramente comprovado pela expressiva diminuição do número de hospitalizações por casos graves e óbitos, mesmo frente ao aumento de casos associados à nova variante ômicron.
Os efeitos colaterais dessas vacinas são considerados muito raros quando se analisa o número de indivíduos vacinados no mundo. Miocardite/pericardite, especialmente após os primeiros dias da segunda dose, já foram raramente descritos para as vacinas de RNAm, tanto com a Pfizer/BioNTech como com a Moderna (6). Entretanto, após uma extensa análise realizada pela Acip (Advisory Committee on Immunization Practices), considerando-se o contexto epidemiológico norte-americano, concluiu-se que a rara ocorrência de miocardite era amplamente superada pelos benefícios da vacinação (prevenção de complicações, hospitalizações e mortes), tanto em adolescentes como em adultos jovens. Nos ensaios clínicos, os efeitos colaterais da vacina foram classificados como não graves (febre, cefaleia, vômitos, fadiga e inapetência), autolimitados e semelhantes aos observados em adultos, ocorrendo, geralmente após a segunda dose. Até o presente momento, não houve documentação comprovada de óbito em criança ou adolescente causada por estas vacinas.
Considerando-se todos os aspectos abordados acima, o Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo se posiciona completamente favorável à vacinação de crianças e adolescentes contra covid-19 e considera que esta medida deva ser uma prioridade para este grupo etário, estando de acordo com as sólidas evidências científicas até então publicadas.
Referências científicas utilizadas
- ACIP meeting. November 2021. Epidemiology of COVID-19 in Children Aged 5-11 years. Disponível em: https://www.cdc.gov/vaccines/acip/meetings/downloads/slides-2021-11-2-3/03-Covid-Jefferson-508.pdf
- CDC Science Brief: Transmission of SARS-CoV-2 in K-12 schools. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/science/science-briefs/transmission_k_12_ schools.html. 3. Progress in the Diagnosis and Treatment of COVID-19 in Children: A Review. Wang L, Li G, Yuan C, Yang Y et al. Int J Gen Med. 2021 Nov 12; 14:8097-8108. doi: 10.2147/IJGM.S335888. 4. Mortality and clinical characteristics of multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) associated with covid-19 in critically ill patients: an observational multicenter study (MISCO study). Acevedo L, Piñeres-Olave BE, Niño-Serna LF et al. BMC Pediatr. 2021 Nov 18;21(1):516. doi: 10.1186/s12887-021-02974-9.
- Postacute/Long COVID in Pediatrics: Development of a Multidisciplinary Rehabilitation Clinic and Preliminary Case Series. Morrow AK, Ng R, Vargas G, Jashar DT et al. Am J Phys Med Rehabil. 2021 Dec 1;100(12):1140-1147. doi: 10.1097/PHM.0000000000001896.
- Centers for Disease Control and Prevention. Clinical considerations; myocarditis and peri- carditis after receipt of mRNA COVID-19 vaccines among adolescents and young adults. Disponível em: https://www.cdc.gov/vaccines/covid-19/clinical-considerations/myocardi- tis.html
Noticia retirada do site do Jornal da USP