Experimentos foram feitos com camundongos no Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Os resultados, divulgados na revista “Endocrinology”, podem ter implicações futuras em terapias para controle do peso
Pesquisa realizada com camundongos mostrou como o hormônio do crescimento (GH, do inglês growth hormone) age no cérebro e desempenha importante papel no estímulo do apetite, além de suas funções já conhecidas. O GH regula a capacidade da grelina, molécula conhecida como hormônio da fome, de induzir o aumento na ingestão de alimentos.
O trabalho, conduzido no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, revelou que a grelina atua na glândula hipófise, estimulando a liberação de GH. Esses dois hormônios têm receptores no hipotálamo, região na base do cérebro com várias funções, entre elas a regulação do apetite.
“O rótulo de estimulador da fome deve ser, no mínimo, compartilhado entre grelina e GH. Isso porque, sem o efeito de estimulação da secreção de GH, a grelina também perde a capacidade de estimular o apetite”, afirma o pesquisador do ICB José Donato Junior, um dos orientadores do estudo.
A pesquisa recebeu o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de duas Bolsas de Pós-Doutorado (16/20897-3 e 17/25281-3) e de um Projeto Temático (20/01318-8). Os resultados foram divulgados na revista científica Endocrinology.
“Nossas descobertas podem ter implicações futuras em terapias para controle de peso corporal e regulação da ingestão alimentar”, diz o pesquisador à Agência Fapesp.
Donato lembra que outro grupo de cientistas já havia mostrado, em 2019, que quanto maior a taxa de GH, mais o cérebro produz o peptídeo AgRP, potente estimulador de apetite.
O estudo foi realizado com indivíduos com acromegalia – doença crônica provocada por uma disfunção da glândula hipófise, que passa a produzir o GH em excesso e provoca aumento anormal de extremidades do corpo, como mãos, pés e rosto.
Esse trabalho se baseou em parte nos resultados de outra pesquisa desenvolvida no ICB que apontou a atuação do GH diretamente no cérebro para conservar energia quando se perde peso, além de sua função de desenvolvimento ósseo e aumento de estatura (leia mais em agencia.fapesp.br/29906/).
MECANISMO
Para entender a atuação dos dois hormônios, os pesquisadores da USP geraram camundongos machos geneticamente modificados que não possuíam receptor para o GH – especificamente em neurônios.
Embora esses camundongos tenham mostrado aumento normal do GH após injeção de grelina, eles não apresentaram a resposta de estímulo do apetite esperada.
Além disso, exibiram níveis hipotalâmicos reduzidos de neuropeptídeos que estimulam a fome, como o Y. Com isso, os resultados revelam que a ação do GH no cérebro dos camundongos é necessária para o efeito estimulador da grelina na ingestão de alimentos.
A grelina, o único hormônio ligado à sensação de fome, é produzido pelo estômago, enquanto outros hormônios gerados no intestino ou no tecido adiposo costumam causar sensação de saciedade. Descoberta em 1999, a grelina também está relacionada ao estresse, ajudando a entender o motivo de a fome mudar quando o organismo está exposto a situações extremas.
Já o GH foi descoberto há mais tempo, sendo que estudos da década de 1950 mostraram pela primeira vez sua estrutura. Até hoje é apontado como o fator mais importante ligado ao crescimento corporal.
A falta desse hormônio pode provocar nanismo, quando o corpo não se desenvolve como deveria, fazendo com que a pessoa tenha uma altura máxima abaixo da média da população da mesma idade e sexo, podendo variar entre 1,40 e 1,45 metro. O excesso leva ao gigantismo (menos comum atualmente, pois tem tratamento aplicado desde os primeiros anos da criança) ou à acromegalia.
Foto: Acervo dos pesquisadores
FUTURO
Donato afirma que os próximos passos da pesquisa estão voltados a compreender melhor como o GH atua no cérebro.
“Isso nos aproxima de propostas terapêuticas. Estamos testando um medicamento usado em casos de acromegalia para bloquear a ação do hormônio estimulador da fome. O problema são os possíveis efeitos colaterais, por isso temos que entender os mecanismos celulares usados pelo GH para afetar os neurônios.”
O grupo do ICB também publicou uma revisão de estudos na revista Frontiers in Neuroendocrinology, que compila informações sobre como o hipotálamo (controlador da ingestão alimentar e do metabolismo) regula o exercício físico ou é regulado por ele. O trabalho apontou que a combinação de abordagens fisiológicas e moleculares ajuda a entender a fisiologia do exercício em pontos como estratégias de perda de peso, aderência ao treinamento e desempenho.
O artigo Ghrelin-induced Food Intake, but not GH Secretion, Requires the Expression of the GH Receptor in the Brain of Male Mice pode ser lido aqui
Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Luciana Constantino | Agência Fapesp
Notícia retirada do site do Jornal da USP