Mariana Veras explica que a exposição tem efeitos de longo prazo, muitas vezes só revelados na vida adulta
A revista Environmental Health Perspectives publicou uma pesquisa realizada pela Rutgers University, localizada nos Estados Unidos da América, a qual apontou os impactos da poluição do ar para o desenvolvimento dos bebês durante a gestação. De acordo com esse estudo, os poluentes invadem o organismo da mulher grávida, atravessam a placenta e afetam órgãos genitais dos fetos.
Mariana Veras, chefe responsável pelo Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), diz que, segundo os primeiros estudos, os efeitos negativos da exposição a materiais particulados no período gestacional estão relacionados especialmente ao baixo peso da criança ao nascer — menos de 2,5 quilogramas.
CONTAMINAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS
A placenta, órgão de comunicação entre a mãe e o bebê em desenvolvimento, é onde onde ocorrem as trocas gasosas e de nutrientes. Nesse sentido, Mariana explica que, no local, é possível observar um acúmulo de metais tóxicos, componentes do material particulado fruto da queima incompleta de combustíveis fósseis, que possui potencial de causar câncer às pessoas expostas.
A médica disserta sobre as consequências para a gestante: “Além desse prejuízo na placenta, a exposição à poluição pode causar um aumento de risco para pré-eclâmpsia, hipertensão gestacional e partos prematuros. Todos esses efeitos na mãe têm uma consequência para a criança”. Nos filhos, essas sequelas tendem a ser mantidas durante a adolescência e, também, na vida adulta.
Conforme a especialista, a criança pode apresentar restrição no crescimento intrauterino — condição em que o feto não consegue alcançar o potencial biológico de crescimento — e malformações de órgãos específicos, como, por exemplo, o coração. Além disso, a depender do período da gestação, o efeito será mais marcante, sendo que o primeiro e o terceiro trimestres são os mais impactados.
“Essas primeiras evidências foram reproduzidas em modelos animais, para se entender melhor quais seriam os mecanismos e se haveria um poluente específico mais associado a esse efeito”, explica.
Outrossim, alguns estudos apontam implicações ao sistema nervoso central do feto exposto, associado ao aumento do risco de desenvolvimento de autismo e de alguns transtornos, como déficit de atenção. Também podem aumentar as chances de desenvolver obesidade ou sobrepeso quando adulto.
SISTEMA REPRODUTIVO
Durante o desenvolvimento fetal, no período de diferenciação do sexo, hormônios influenciam na direção e orientação da diferenciação morfológica dos órgãos genitais e das características físicas particulares de homens e mulheres. Diante disso, a distância anogenital, espaço entre o ânus e a genitália, está diretamente relacionada com esse momento da gestação e é um dos principais apontamentos realizados pela pesquisa.
“Existem substâncias que conseguem mimetizar ou funcionar como hormônios, não sendo um, pela afinidade de ligação com alguns receptores hormonais. Ou seja, essa substância se liga no receptor e dispara uma resposta semelhante, como se fosse do hormônio original”, desenvolve a médica. Com isso, a alteração morfológica, causada por esses estímulos hormonais afetados, possibilita que informações relacionadas a esse ambiente sejam estudadas ao medir a distância anogenital.
OUTROS FATORES
A especialista aborda que 90% das cidades do mundo apresentam uma qualidade do ar abaixo do que é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, consequentemente, a saúde de qualquer pessoa é afetada, não apenas o desenvolvimento fetal. Além disso, não existe um limite seguro de poluentes para a saúde, no entanto, há limites aceitáveis, sendo que são mais sensíveis para crianças e idosos — até mesmo baixos níveis podem impactar a vida desses indivíduos.
Por fim, Mariana cita os agroquímicos, o calor excessivo e o stress como fatores responsáveis por impactar negativamente no desenvolvimento saudável da gestação e na produção de sequelas para a criança.
Por Felipe Bueno / Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
Noticia retirada do site do Jornal da USP