Características únicas das gentamicinas possibilitam modificações em outros antibióticos da mesma classe para torná-los menos sensíveis à resistência. As alterações também podem diminuir a toxicidade dos compostos
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP determinaram a estrutura e a função de duas enzimas envolvidas na produção de gentamicinas pela bactéria de solo Micromonospora echinospora, responsáveis por tornar esse antibiótico menos suscetível à resistência das bactérias. O conhecimento produzido pelo grupo pode servir de base para modificar outros antibióticos da mesma classe, os aminoglicosídeos, tornando-os capazes de contornar a resistência desenvolvida pelas bactérias e diminuindo a sua toxicidade, o que permitiria um uso mais abrangente desses fármacos. O trabalho, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e que fez parte da tese de doutorado da pesquisadora Priscila dos Santos Bury, foi publicado na revista científica ACS Catalysis em setembro deste ano.
A gentamicina é frequentemente utilizada na forma de cremes e pomadas para tratamento de infecções tópicas, mas não costuma ser aplicada para tratar infecções internas por ser tóxica para o ouvido e para os rins. É considerada um antibiótico injetável de último recurso, para casos de infecções muito resistentes. “Os aminoglicosídeos foram descobertos na década de 1950 e tratam diversas infecções bacterianas sérias, como a tuberculose. Por serem moléculas mais antigas e já terem sido amplamente utilizadas, as bactérias já adquiriram resistência a muitas delas”, explica o professor Marcio Vinícius Bertacine Dias, coordenador do estudo e responsável pelo Laboratório de Biologia Estrutural Aplicada do ICB.
Feita em colaboração com cientistas da Universidade de Wuhan, na China, e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, a pesquisa focou em identificar quais eram as enzimas que realizam as últimas modificações na biossíntese das gentamicinas, tornando-as capazes de driblar a resistência das bactérias e manter a sua eficácia – característica que é única dentro de sua classe. O estudo identificou a estrutura e função das enzimas GenB3 e GenB4, que são muito similares, mas catalisam reações totalmente diferentes, algo raro dentro da bioquímica.
“As bactérias criam resistência aos antibióticos em um período de dois a três anos, enquanto a produção de novas moléculas pode durar até 20 anos. É preciso investimento para acelerar estudos como os nossos e desenvolver fármacos mais eficazes, se não os antibióticos podem se tornar obsoletos. E assim voltaríamos a ter mortes por infecções que hoje são facilmente tratadas”
ANTIBIÓTICO MAIS EFICAZES
A partir dessa descoberta, é possível pensar em duas estratégias para aprimorar os antibióticos futuramente: através da biocatálise, utilizando as enzimas para tentar modificar os compostos já existentes in vitro, ou da biologia sintética, introduzindo os genes responsáveis pela expressão dessas enzimas em outros microrganismos, como bactérias e leveduras, para produzir novas estruturas de antimicrobianos. “Já existe uma tendência na indústria farmacêutica para tentar modificar antibióticos por biocatálise ou biologia sintética e torná-los menos sensíveis à resistência. Com esses estudos, será possível selecionar as características boas de cada molécula e produzir uma molécula que seja menos tóxica e mais eficaz.”
A necessidade de desenvolver novos antibióticos ou adaptar os fármacos atuais é cada vez mais urgente, já que as bactérias evoluem em uma velocidade maior que a ciência. “As bactérias criam resistência aos antibióticos em um período de dois a três anos, enquanto a produção de novas moléculas pode durar até 20 anos. É preciso investimento para acelerar estudos como os nossos e desenvolver fármacos mais eficazes, se não os antibióticos podem se tornar obsoletos. E assim voltaríamos a ter mortes por infecções que hoje são facilmente tratadas”, ressalta o pesquisador.
Por Gabriel Martino | ICB-USP
Notícia retirada do site do Jornal da USP