A exposição à luz solar envelhece prematuramente a pele. A ação da radiação ultravioleta (UV), que também é carcinogênica, tem sido amplamente estudada. No entanto, o papel da luz ultravioleta-A (UVA), uma das faixas de comprimento de onda da radiação UV, ainda é pouco conhecido. Agora, pela primeira vez, um estudo realizado por cientistas do CEPID Redoxoma revela as bases moleculares do estresse gerado pela luz UVA em um tipo de célula da pele.
A partir de análise proteômica, os pesquisadores caracterizaram a senescência induzida pela radiação UVA em queratinócitos primários, as células mais abundantes da pele, como dependente de respostas antioxidantes e pró-inflamatórias. Combinando a abordagem de proteômica com o uso da técnica de aprendizagem de máquina, eles também mapearam a reorganização subcelular de proteínas em resposta à luz UVA em queratinócitos imortalizados. Os resultados foram publicados em dois artigos nas revistas Scientific Reports e iScience.
“Basicamente, em um dos artigos a gente fez uma proteômica mais clássica, para olhar para alterações na abundância das proteínas, e no outro a gente vai olhar para alterações na distribuição subcelular dessas proteínas, ou seja, alterações que têm mais a ver com localização. Vimos que as alterações na abundância do proteoma estavam ligadas à senescência dos queratinócitos, que é um processo muito relacionado ao envelhecimento e que vai levar a um fenótipo pró-inflamatório. Quando focamos no curto prazo, para os efeitos logo depois da radiação, vimos principalmente dano mitocondrial”, afirmou Hellen Paula Valerio, primeira autora dos artigos. O estudo foi realizado durante seu doutorado, sob a orientação dos professores Paolo Di Mascio e Graziella Eliza Ronsein, ambos do Instituto de Química da USP e membros do CEPID Redoxoma.
De toda radiação ultravioleta emitida pelo Sol que chega à Terra, cerca de 95% corresponde à luz UVA e apenas 5% à luz UVB. Apesar de mais abundante, a luz UVA é menos energética do que a UVB e só foi reconhecida como carcinogênica pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2009. A radiação UVB causa dano direto no DNA, enquanto a UVA depende de espécies intermediárias, como espécies fotoexcitadas ou radicalares, para gerar danos nas células, tendo um componente oxidativo em seu mecanismo de ação
SENESCÊNCIA
A maior parte dos estudos envolvendo luz UVA tem como foco os efeitos de altas doses de radiação na derme, que é a camada mais profunda da pele. Neste trabalho, os pesquisadores utilizaram uma dose única e baixa, equivalente a cerca de 20 minutos de exposição ao sol, em queratinócitos primários, que respondem por 80% das células da epiderme, a camada mais superficial da pele, e viram que a radiação provoca sinais de senescência nessas células.
Células senescentes não se multiplicam. Segundo Hellen Valerio, há evidências de que tecidos envelhecidos têm quantidades maiores de células senescentes do que tecidos jovens. Além disso, as evidências mostram que, se a senescência for revertida, o tecido pode rejuvenescer.
Para observar as mudanças nos níveis de proteínas, os pesquisadores usaram uma abordagem baseada em proteômica shotgun, explica Graziella Ronsein. As células foram irradiadas e, 24h depois, as proteínas foram extraídas e analisadas por espectrometria de massas, sempre em comparação com células controle não irradiadas.
Assim, eles viram que a luz UVA promoveu uma grande modificação no proteoma - o conjunto das proteínas - dos queratinócitos. Principalmente, encontraram uma abundância maior de enzimas antioxidantes e de mediadores inflamatórios, bem como o aumento da proteína p16, que é importante para o controle do ciclo celular e está envolvida na senescência. Ensaios bioquímicos confirmaram os dados proteômicos. Já a linhagem HaCaT, considerada pré-tumorigênica, não se torna senescente ao ser irradiada.
“Essa é uma resposta que acontece no nosso corpo também. Quando as células estão expostas a algum tipo de estresse, elas podem entrar em senescência e isso pode funcionar como um mecanismo de defesa no sentido de essa célula não propagar os danos que sofreu. Mas a célula imortalizada que nós utilizamos basicamente perde esse mecanismo e continua proliferando mesmo assim, e essa é uma célula que já tem uma predisposição genética para tumorigênese”, explica Hellen.
Outro resultado interessante foi que os queratinócitos primários irradiados secretaram moléculas que produziram efeitos em células HaCaT não irradiadas. Ou seja, eles induziram estresse oxidativo em células vizinhas, no caso, ativando o sistema imunológico em queratinócitos pré-tumorais (as células HaCaT). “Isso é uma coisa muito complexa. Estamos vendo sinais entre células vizinhas. Aí vem a questão de se trabalhar com uma célula única em cultura ou começar a ‘fazer’ tecidos, co-cultura de células”, disse Paolo Di Mascio.
Segundo os pesquisadores, essas observações oferecem insights sobre os mecanismos celulares pelos quais a luz UVA causa o envelhecimento da pele. Além disso, é a primeira vez que esse processo é associado a respostas anti-oxidantes e pró-inflamatórias.
Figura: Paolo Di Mascio e Hellen Paula Valerio
ARQUITETURA PROTEÔMICA
Outro aspecto do estudo foi o mapeamento da reorganização subcelular do proteoma dos queratinócitos em resposta à luz UVA. Para essa investigação, os pesquisadores usaram células HaCat irradiadas e um grupo controle de células mantidas no escuro. Como explica Hellen, as células foram lisadas com um método em que só a membrana plasmática é quebrada, conservando a estrutura das organelas e suas proteínas, e submetidas a centrifugações seriadas com forças crescentes. Desta forma, foram separadas frações, representando quatro ambientes subcelulares: núcleo, mitocôndria, citosol e organelas secretórias. As proteínas foram então quantificadas nas frações e analisadas por espectrometria de massas.
A partir daí, com o uso de ferramentas de bioinformática e técnicas de aprendizado de máquina, a pesquisadora compilou dados da literatura relativos à localização das proteínas em diversos bancos disponíveis e validou os dados de fracionamento que ela havia obtido. Ao comparar células irradiadas com as não irradiadas, ela viu que parte das proteínas havia se translocado entre as organelas. Para confirmar essas observações, a pesquisadora usou a microscopia confocal, uma ferramenta bioquímica clássica. De 1.600 proteínas quantificada e com a localização subcelular identificada, mais de 200 estavam redistribuídas nas células irradiadas.
O principal resultado desse perfil proteômico foi identificar as mitocôndrias como um dos principais alvos do estresse induzido por UVA. Os pesquisadores mostraram que a luz UVA induz a fragmentação mitocondrial, regula as proteínas redox e reduz a frequência respiratória, levando a mudanças no estado energético geral das células. Outro resultado importante foi a demonstração de que a radiação UVA desencadeia uma via clássica de sinalização de danos no DNA, com o aumento da quantidade de enzimas envolvidas no reparo de dano oxidativo. Os dados foram validados com ensaio cometa, técnica destinada a avaliar a presença de lesões no DNA.
Para os autores, este trabalho representa uma investigação abrangente da arquitetura subcelular da HaCaT, permitindo inferências sobre eventos dinâmicos envolvendo proteínas. “Dinâmica espacial quer dizer uma dinâmica de mudanças. Essas proteínas vão se deslocar de um lugar para o outro em função do metabolismo total da célula. A questão é que a gente quer ver uma fotografia mais ampla dessas mudanças”, explica Paolo.
INFRAESTRUTURA
Segundo os pesquisadores, além da relevância científica, esse trabalho mostrou a importância do desenvolvimento de plataformas de pesquisa avançada no âmbito do CEPID Redoxoma. Graziella destaca “a utilização, padronização e otimização das metodologias e ferramentas avançadas tanto de proteômica quanto de bioinformática, e a aplicação em um problema biológico relevante”.
Eles concordam, no entanto, que o maior problema para a realização de uma pesquisa desse porte é a falta de infraestrutura no país, principalmente de estrutura elétrica. “O espectrômetro de massas não pode ser desligado nunca, não pode ter variação de energia nunca, o ar condicionado não pode ser desligado nunca e a umidade do ar precisa ser controlada. O aparelho é ultrassensível e cada vez que a energia é desligada, leva cerca de duas semanas pra ser calibrado”, diz Graziella.
O artigo Spatial proteomics reveals subcellular reorganization in human keratinocytes exposed to UVA light, de Hellen Paula Valerio, Felipe Gustavo Ravagnani, Angela Paola Yaya Candela, Bruna Dias Carvalho da Costa, Graziella Eliza Ronsein, and Paolo Di Mascio, pode ser lido aqui.
O artigo A single dose of Ultraviolet-A induces proteome remodeling and senescence in primary human keratinocytes, de Hellen Paula Valerio, Felipe Gustavo Ravagnani, Graziella Eliza Ronsein & Paolo Di Mascio, pode ser lido aqui.
Noticia retirada do site do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma)